Eça de Queirós, José Maria : O mistério da Estrada de Sintra
O mistério da Estrada de Sintra (Portugál)Exposção do doutor *** Sr. Redactor do Diário de Notícias: Venho pôr nas suas mãos a narração de um caso verdadeiramente extraordinário, em que intervim como facultativo, pedindo-lhe, que, pelo modo que entender mais adequado, publique na sua folha a substância, pelo menos, do que vou expor. Os sucessos a que me refiro são tão graves, cerca-os um tal mistério, envolve-os uma tal aparência de crime que a publicidade do que se passou por mim torna-se importantíssima como chave única para a desencerração de um drama que suponho terrível conquanto não conheça dele senão um só acto e ignore inteiramente quais foram as cenas precedentes e quais tenham de ser as últimas. Há três dias que eu vinha dos subúrbios de Sintra ene companhia de F..., um amigo meu, em cuja casa tinha ido passar algum tempo. Montávamos dois cavalos que F... tem na sua quinta e que deviam ser reconduzidos a Sintra por uni criado que viera na véspera para Lisboa. Era ao fim da tarde quando atravessámos a charneca. A melancolia do lugar e da hora tinha-sé-nos comunicado, e vínhamos silenciosos, abstraídos na paisagem, caminhando a passo. A cerca talvez de meia distância do caminho entre S. Pedro e o Cacém, num ponto a que não sei o nome porque tenho transitado pouca naquela estrada, sítio deserto como todo o caminho através da charneca, estava parada uma carruagem. Era um cupé pintado de escuro, verde e preto, e tirado por uma parelha cor de castanha. O cocheiro, sem libré, estava em pé, de costas para nós, diante dos cavalos. Dois sujeitos achavam-se curvados ao pé das rodas que ficavam para a parte da estrada por onde tínhamos de passar, e pareciam ocupados em examinar atentamente o jogo da carruagem. Um quarto indivíduo, igualmente de costas para nós, estava perto do valado, do outro lado do caminho, procurando alguma coisa, talvez uma pedra para calçar o trem. - É o resultado das sob-rodas que tem a estrada - observou o meu amigo. - Provavelmente o eixo partido ou alguma roda desembuxada. Passávamos a este tempo pelo meio dos três vultos a que me referi, e F... tinha tido apenas tempo de concluir a frase que proferira, quando o cavalo que eu montava deu repentinamente meia volta rápida, violenta, e caiu de chapa. O homem que estava junto do valado, ao qual eu não clava atenção porque ia voltado a examinar o trem, determinara essa queda, colhendo repentina mente e com a inázima força as rédeas que ficavam para o lado dele e impelindo ao mesmo tempo com um pontapé o flanco do animal para o lado oposto. O cavalo, que era um poldro de pouca força e mal manejado, escorregou das pernas e tombou ao dar a volta rápida e precipitada a que o tinham constrangido. O desconhecido fez levantar o cavalo segurando-lhe as rédeas, e, ajudando-me a erguer, indagava com interesse se eu teria molestado a perna que ficara debaixo do cavalo. Este indivíduo tinha na voz a entoação especial dos homens bem educados. A mão que me ofereceu era delicada. O rosto tinha-o coberto com uma más cara de cetim preto. Entrelembro-me de que trazia um pequeno fumo no chapéu. Era um homem ágil e extremamente forte, segundo denota o, modo como fez cair o cavalo. Ergui-me alvoroçadamente e, antes de ter tido ocasião de dizer uma palavra, vi que, ao tempo da minha queda, se travara luta entre o meu companheiro e os outros dois indivíduos que fingiam examinar o trem e que tinham a cara coberta como aquele de que já falei. Puro Ponson du Terrail! dirá o Sr. Redactor. Evidentemente. Parece que a vida, mesmo no caminho de Sintra, pode às vezes ter o capricho de ser mais romanesca do que pede a verosimilhança artística. Mas eu não faço arte, narro factos unicamente. F..., vendo o seu cavalo subitamente seguro pelas cambas do freio, tinha obrigado a largá-lo um dos desconhecidos, em cuja cabeça descarregara uma pancada com o cabo do chicote, o qual o outro mascarado conseguira logo depois arrancar-lha da mão. Nenhum de nós trazia armas. O meu amigo tinha, no entanto, tirado da algibeira a chave de uma porta da casa de Sintra, e esporeava o cavalo estirando-se-lhe no pescoço e procurando alcançar a cabeça daquele que o tinha seguro. O mascarado, porém, que continuava a segurar em uma das mãos o freio do cavalo empinado, apontou com a outra um revólver à cabeça do meu amigo e disse-lhe com serenidade: - Menos fúria! Menos fúria! O que levara com o chicote na cabeça e ficara por um momento encostado à portinhola do trem, visivelmente atordoado mas não ferido, porque o cabo era de baleia e tinha por castão uma simples guarnição feita com uma trança de clina, havia já a este tempo levantado do chão e posto na cabeça o chapéu que fe caíra. A este tempo o que me derribara o cavalo e me ajudara a levantar tinha-me deixado ver um par de pequeninas pistolas de coronhas de prata, daquelas a que chamam em França coups de poing e que varam uma porta a trinta passos de distância. Depois do que, me ofereceu delicadamente o braço, dizendo-me com afabilidade: - Parece-me mais cómodo aceitar um lugar que lhe ofereço na carruagem do que montar outra vez a cavalo ou ter de arrastar a pé daqui à farmácia da Porcalhota a sua perna magoada. Não sou dos que se amedrontam mais prontamente coma ameaça feita com armas. Sei que há um abismo entre prometer um tiro e desfechá-lo. Eu movia bem a perna trilhada, o meu amigo estava montado em uni cavalo possante; somos ambos robustos; poderíamos talvez resistir por dez minutos, ou por um quarto de hora, e durante esse tempo alada, mais provável, em estrada tão frequentada, como a de Sintra nesta quadra, do que aparecerem passageiros que nos prestassem auxílio. Todavia, confesso que me sentia atraído para o imprevisto de uma tão estranha aventura. Nenhum caso anterior, nenhuma circunstância da nossa vida nos permitia suspeitar que alguém pudesse ter iliteresse em exercer connosco pressão ou violência alguma. Sem eu bem poder a esse tempo explicar porquê, não me parecia também que as pessoas que nos rodeavam projectassem um roubo, menos ainda um homicídio. Não tendo tido tempo de observar miudamente a cada um, e tendo-lhes ouvido apenas algumas palavras fugitivas, figuravam-se-me pessoas de bom mundo. Agora que de espírito sossegado penso no acontecido, vejo que a minha conjectura se baseava em várias circunstâncias dispersas, nas quais, ainda que de relance, eu atentara, mesmo sena propósito de análise. Lembro-me, por exemplo, que era de cetim alvadio o forro do chapéu do que levara a pancada na cabeça. O que apontara o revólver a F... trazia calçada uma luva cor de chumbo apertada com dois botões. O que me ajudara a levantar tinha os pés finos e botas envernizadas; as calças, de casimira cor de avelã, eram muito justas e de presilhas. Trazia esporas. Não obstante a disposição em que me achava de ceder da luta e de entrar no trem, perguntei em alemão ao meu amigo se ele era de opinião que resistíssemos ou que nos rendêssemos. - Rendam-se, rendam-se para nos poupar algum tempo que nos é precioso! - disse gravemente uni dos desconhecidos. - Por quem são, acompanhem-nos! Um dia saberão - por que motivo lhes saímos ao caminho mascarados. Damos-lhe a nossa palavra de que amanhã estarão nas suas casas, em Lisboa. Os cavalos ficarão em Sintra daqui a duas horas. Depois de uma breve relutância, que eu contribuí para desvanecer, o meu companheiro apeou-se e entrou no cupé. Eu segui-o. Cederam-nos os melhores lugares. O homem que se achava em frente da parelha segurou os nossos cavalos; o que fizera cair o poldro subiu para a almofada e pegou nas guias; os outros dois entraram connosco e sentaram-se nos lugares fronteiros aos nossos. Fecharam-se em seguida os estores de madeira dos postigos e correu-se uma cortina de seda verde que cobria por dentro os vidros fronteiros da carruagem. No momento de partirmos, o que ia a guiar bateu aia vidraça e pediu um charuto. Passaram-lhe para fora, uma charuteira de palha de Java. Pela fresta por onde recebeu os charutos lançou para dentro do trem a máscara que tinha no rosto, e partimos a galope. Quando entrei para a carruagem pareceu-me avistar ao longe, vindo de Lisboa, uni ónibus, talvez uma sege. Se me não iludi, a pessoa ou pessoas que vinham no trem a que me refiro terão visto os nossos cavalos, um dos quais é ruço e o outro castanho, e poderão talvez dar notícia da carruagem em que íamos e da pessoa que nos servia de cocheiro. O cupé era, como já disse, verde e preto. Os estores, de mogno polido, tinham no alto quatro fendas estreitas e oblongas, dispostas em cruz. Falta-me tempo para escrever o que ainda me resta por contar a horas de expedir ainda hoje esta carta pela posta interna. Continuarei. Direi então, se o não suspeitou já, o motivo por que lhe oculto o meu nome e o nome do meu amigo.
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A cintrai út titka (Magyar)Dr. *** levele a szerkesztőhöz.
I. Tisztelt szerkesztő ur! Leteszem az ön kezeibe egy valóban rendkivüli esetnek az elbeszélését, melyben
foglalkozásomnál fogva kellet közbenjárnom, és arra kérem önt, hogy annak, a
mit elmondandó vagyok, legalább a lényegét, az ön által legalkalmasabbnak itélendő
módon becses lapjában közölni sziveskedjék. Ugyanakkor az az egyén, a ki lovamat ledöntötte és a ki engem fölemelkedni
segitett, egy pár ezüst fogantyus apró pisztolyt villogtatott felém, melyeket
Franciaországban „coup de poing”-nek neveznek és melyek mintegy harminc lépés
távolságra hordanak. Majd udvariasan felajánlotta nekem a karját és a lehetőleg
legbarátságosabb hangon igy szólt hozzám:
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